O conceito de Transposição
Didática foi estabelecido originalmente pelo sociólogo Michel Verret, em 1975. Entretanto,
em 1980, o matemático Yves Chevallard retoma essa ideia e a insere num contexto
mais específico, fazendo dela uma teoria e com isso examinando questões importantes
na esfera da didática da Matemática.
As considerações a respeito
da transposição didática narram sobre as transformações que o discurso
científico recebem, ao passar para as situações de ensino. Na teoria da
transposição didática o foco de análise é a transposição dos conceitos científicos
no processo de ensino.
Como Chevallard define a transformação
didática?
Em seus estudos, CHEVALLARD
(1991) examinou como o conceito de “distância” aparece no campo da pesquisa em
matemática pura e reaparece modificado no contexto do ensino de Matemática. Ele
define a Transposição Didática como um instrumento eficiente para analisar o
processo através do qual o saber produzido pelos cientistas (o Saber Sábio) se
transforma naquele que está contido nos programas e livros didáticos (o Saber a
Ensinar) e, principalmente, naquele que realmente aparece nas salas de aula (o
Saber Ensinado). Ele analisa as modificações que o saber produzido pelo “sábio”
(o cientista) sofre até este ser transformado em um objeto de ensino.
Segundo essa teoria, um
conceito ao ser transferido, transposto, de um contexto ao outro, passa por
profundas modificações. Ao ser ensinado, todo conceito mantém semelhanças com a
idéia originalmente presente em seu contexto da pesquisa, porém adquire outros
significados próprios do ambiente escolar qual será alojado. Esse processo de
transposição transforma o saber, conferindo-lhe um novo status epistemológico
(ASTOLFI, 1995). De maneira geral, CHEVALLARD pretende que os conhecimentos
(saberes) presentes no ensino não sejam meras simplificações de objetos tirados
do contexto de pesquisas com o objetivo de permitir sua apreensão pelos jovens.
Trata-se, pois, de “novos” conhecimentos capazes de responder a dois domínios
epistemológicos diferentes: ciência e sala de aula.
Cada saber tem sua própria
comunidade autônoma, com seus respectivos representantes ou grupos. Conectando
esses níveis apresenta-se a Noosfera, que se trata de uma esfera de ação, onde
os protagonistas atuam na transformação do saber. Essa esfera abrange pessoas
e/ou instituições que influenciam o sistema educacional, ou seja, todo
personagem ou instituição social, econômica e política, que operam nas transformações
sofridas pelo saber, são consideradas parte da Noosfera. É nela que ocorrem alguns
conflitos inevitáveis às transformações dos saberes, onde os vários atores das
diferentes esferas sociais negociam seus interesses, pontos de vistas etc.
“Na noosfera, pois, os
representantes do sistema de ensino, com ou sem mandatos (desde o presidente de
uma associação de professores até um simples professor militante), se
encontram, direta ou indiretamente, (...), com os representantes da sociedade
(os pais dos alunos, os especialistas das disciplinas que militam em torno de
seus ensinos, os emissários de órgãos políticos).” (CHEVALLARD, 1991, p.28)
Em primeiro lugar é preciso
reconhecer que o conhecimento científico ensinado nas escolas deve ser fundamentado
no conhecimento produzido pelos cientistas. Portanto, as pesquisas
desenvolvidas na Física inferem um Ensino de Física que deve, a princípio, ser
sua própria imagem e semelhança. Daí para frente, ideias, conceitos, teorias
são, então, transpostos para os programas escolares e materiais didáticos.
Contudo, o conhecimento acadêmico
deve ser “adaptado” ao ambiente das salas de aula, tendo em vista o seu alto
grau de complexidade matemática, o que
sugere que o Saber a Ensinar e o Saber Ensinado sejam, obviamente, pouco diferentes daqueles presentes nos
laboratórios e grupos de pesquisa. Essa forma de considerar o ensino traz encravada
a ideia de simplificação do saber.
Para o aluno, esta ideia de
simplificação do conhecimento, em geral, é um obstáculo. A imensa maioria dos
conceitos apresentados aos alunos tem pouco (às vezes nenhum) significado para
eles. Assim, aquilo que é ensinado nas escolas é muito diferente do que
vivenciam fora dela. Raramente é possível conseguir aplicar os conhecimentos
adquiridos na escola em qualquer outra situação que não sejam aquelas
fornecidas dentro da sala de aula. As intituladas “condições ideais” só existem
nos livros do ensino fundamental e médio.
Vale ressaltar a construção de
modelos pela Ciência para a apreensão do real tende a decompor situações complicadas
em situações mais simples, para que sejam compreendidas pelas teorias
disponíveis. Assim, neste processo, abstrações, simplificações e idealizações
são praticadas, sem que, os limites e possibilidades de tais opções sejam esquecidas,
ficando o modelo condicionado às mesmas. Logo, a modelagem científica é imprescindível
para a construção da ciência e, também, para seu ensino. O problemas do aspecto
“modelador” do saber ensinado é, que a maioria das vezes ele é camuflado para o
estudante.
Quando o estudante não é informado
sobre necessidade da modelagem, a percepção do fazer científico fica alterada e
sugere que se trata apenas de uma representação simplificada dos fenômenos. Dessa
forma, destaca-se o quanto a
transposição
dos saberes científicos para a sala de aula deduz a uma ideia de simplificação ao
se ensinar Física no Ensino Médio, tem-se apenas um processo onde a essência é
“tornar mais simples” conceitos complicados, algo que difere totalmente das
idealizações presentes no processo de modelagem. Esta “simplificação” gera, na
verdade, um novo saber, com novo regulamento epistemológico, o Saber Escolar.
A produção de um novo saber, mesmo com
os riscos intrínsecos ao processo de criação é razoável e necessária. É preciso
ressaltar que as motivações e objetivos de se ensinar e aprender ciências são
diferentes daqueles presentes no fazer científico. Há uma mudança de nicho
epistemológico, o que implica numa inevitável transformação do conhecimento.
Por isso, o Saber Ensinado e o Saber Sábio, embora conectados, são diferentes.
Referências:
A transposição didática aplicada ateoria contemporânea: a física de partículas elementares no ensino médio.
Acesso em dez 02, 2014
Marandino,
m. (2005). A pesquisa educacional e a
produção de saberes nos museus de ciência. História, ciências,
saúde-manguinhos, 12, 161–181. Doi:10.1590/s0104-59702005000400009
Serão as regras da transposiçãodidática aplicáveis aos conceitos de física moderna?
Acesso em dez 02, 2014
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